O gravurista, escultor, fotógrafo e pintor impressionista francês Degas, como é conhecido Edgar Hilaire Germain Degas (Paris, 1834 — Paris, 1917), ganhou uma exposição onde se encontra a maioria de suas obras, no Museu d´Orsay em Paris – Degas à l´Ópera – no período de 24 de setembro de 2019 a 19 de janeiro de 2020, em comemoração aos 350 anos do Teatro Ópera Garnier, o Ópera de Paris, e tendo em vista que o artista trabalhou naquele teatro por um longo período de sua carreira, pintando os bastidores, os ensaios, as bailarinas, os espetáculos de ballet, ficando conhecido sobretudo pela sua visão particular no mundo do ballet, sabendo captar os mais belos e maravilhosos cenários.

Visitando a exposição, notei no meio dela uma aglomeração de pessoas em torno de uma redoma, mas minha curiosidade não chegou a despertar meu interesse em saber do que se tratava. Estava encantada com as telas impressionistas e lindas de Degas e segui o fluxo, dando continuidade à visita. Na saída da exposição, como acontece com todas em Paris, havia uma loja temática sobre a exposição. Numa banca destinada à venda de livros relacionados com aquela exposição, havia um livro infantil (*) que contava a seguinte história (aqui contada muito resumidamente):

Uma família muito pobre vinda do interior da França foi morar em Paris. Ao passar em frente ao Ópera de Paris pela primeira vez, uma menininha disse ao seu pai: “um dia, o senhor virá assistir a um espetáculo de ballet em que eu serei a primeira bailarina”. O tempo passou, a mãe daquela menina foi trabalhar numa lavanderia e enquanto lavava e passava roupas via a menina, que ia ao trabalho diariamente com ela, “flutuando como uma pombinha” a dançar como já fizesse isso há uma eternidade. Passado mais um tempo, o Ópera abriu um concurso para selecionar bailarinas e aquela menina tão pobre participou da seleção e, apesar da vulnerabilidade social e econômica, os examinadores ficaram surpresos com seu desempenho, com seu talento, e a aprovaram por unanimidade. Aquela menininha em pouquíssimo tempo tornou-se a primeira bailarina com seus apenas 14 anos de idade, ganhou uma roupa luxuosa completamente diferente daquela que usava no dia-a-dia, e sua história termina justamente com sua família assistindo a ela na primeira fileira do teatro e seu pai se lembrando emocionado da promessa feita pela sua pequenina filha naquele primeiro momento de estada em Paris. No final do livro que conta esta história, havia a fotografia de uma escultura que Degas fez daquela bailarina de 14 anos, cujo nome era Marie van Goethem, protagonista daquela história encantadora, verdadeiro prodígio da dança, escultura dentro de uma redoma, que reconheci como sendo a mesma que fez um aglomerado de pessoas ficarem em torno dela na exposição de Degas.

Imediatamente, decidi que eu tinha que ver de perto a escultura daquele prodígio e retornei à entrada da exposição, a visitei novamente e, quando cheguei à escultura, fiquei extasiada: ali estava, diante de mim, a bailarina de 14 anos de idade, vestida com sua roupa tão humilde e surrada de algodão, tão pobre, mas vestindo uma bailarina altiva, com aquela pose de bailarina experiente, madura, profissional, mesmo sendo uma criança. Fiquei muito tempo contemplando aquela menina bailarina, ela parecia estar viva, pronta para sair voando a dançar, tirei muitas fotografias de tudo que dizia respeito a ela e sua história. Em meio a todo aquele material, havia um texto em forma de pôster que informava que aquela escultura “começou com simples esboço, depois as telas e depois, uma escultura revolucionária que viria a mudar o mundo. Degas fê-la com o propósito de deixar bem marcados na cera (material com que esculpiu a bailarina) os seus sentimentos face àquela miséria na qual viviam milhares de parisienses. A sua face mostra o árduo trabalho com o qual conviveu. Ao exibi-la na Mostra Impressionista de 1881, chocados, todos perguntavam o por quê de estar ali exposta aquela escultura. Aquilo comovia a sociedade, remexia-lhes o peito, fazia-os tristes, não queriam olhar. Por outro lado, esta escultura foi o primeiro trabalho nesta área da arte que incluiu uma roupa real, desta feita uma saia. A partir daí, o Mundo começou a refletir sobre aquele aristocrata que se atreveu a provocar a sociedade e Degas foi, de algum modo, rejeitado e até mesmo humilhado. Mas ninguém pode se esquecer de que ele mudara a visão conservadora e eclética do mundo, e não se esqueceu de publicitar e de tornar públicos os problemas deste mundo.” Em 1922, a escultura foi reproduzida em bronze e até hoje ela é considerada um ícone desta forma de Arte.

De volta ao Brasil, lendo sobre crianças prodígios na obra O problema do Ser, do Destino e da Dor, de Leon Denis (**), decidi escrever este artigo , tomando como exemplo a história pouco conhecida dessa menina prodígio: Marie van Goethem.

No capítulo 15 da citada obra – As vidas sucessivas. As crianças prodígio e a hereditariedade -, Leon Denis explica o motivo de alguns humanos mostrarem tanto talento, tanta genialidade, um desempenho incomum que levaria muitos anos de vida para ser possível, mas que já mostrados com tão pouca idade. Para ele, o prodígio é uma prova irrefutável da existência da REENCARNAÇÃO:

“Certas manifestações precoces do gênio podem ser consideradas como provas das preexistências, no sentido de que são uma revelação das obras realizadas pela alma, em outros ciclos anteriores”.

Os fenômenos deste gênero, registrados pela História, não podem ser fatos soltos, sem-ligação com o passado, produzindo-se ao acaso, no vazio dos tempos e do espaço. Eles demonstram, ao contrário, que o princípio organizador da vida em nós é um ser que chega a este mundo com todo um passado de trabalho e de evolução, resultado de um plano traçado e de um objetivo perseguido, ao longo de suas existências sucessivas.
Cada encarnação encontra, na alma que reedita sua vida, uma cultura particular, aptidões, aquisições mentais, que explicam sua facilidade de trabalho e poder de assimilação. É por isso que Platão dizia: “Aprender é recordar-se”!

O que não faltam, em seguida, são exemplos de crianças prodígios e seus feitos, começando pelo clássico exemplo de Mozart, que executou uma sonata ao piano, com quatro anos de idade e, com oito, compôs uma ópera. Seguem os nomes (e seus feitos o leitor terá que ler a obra de Leon Denis o realizar pesquisas) de Paganini, Liszt, Beethoven, Rubinstein, Michelangelo, Salvatore Rosa, Pascal, Rembrandt, Napoleão, Jacques Chrichton, Henri de Heinecken, Van de Kerkhove, William Hamilton, Pepito Arriola, Willy Ferreros. Sobre eles, Denis ressalta:

Existem, nestes jovenzinhos, reservas consideráveis de conhecimentos armazenados na consciência profunda e que, de lá, transbordam para a consciência física, de modo a produzir aquelas manifestações precoces do talento e do gênio. Apesar de parecerem anormais, elas são apenas a consequência do labor e dos esforços realizados através dos tempos.

Os exemplos citados são de meninos prodígios, daí outra razão para tratar do tema tomando como exemplo uma menina prodígio. Assim como Marie van Goethem, a pequena bailarina de 14 anos de Degas, e Shirley Temple, muitas meninas prodígios da História ainda precisam ser descobertas.

Leon Denis lembra que a genialidade nem sempre é usada para a realização de coisas belas e positivas para a humanidade como é o caso da genialidade artística, da científica, da política: a genialidade virtuosa, enfim. Muitos gênios, em seu projeto encarnatório, assumem o compromisso em usar sua genialidade para o bem em sua próxima encarnação, já que os gênios normalmente encarnam na Terra para alavancarem a evolução da humanidade e do planeta, mas acabam usando seu talento, suas aptidões, sua genialidade para o mal, para a prática dos vícios, de delitos, desde cedo mostrando suas tendências para o mal. Napoleão, por exemplo, prodígio, inteligentíssimo, patrocinou a produção artística, literária, científica em seu império, mas o poder e a glória fizeram com que sua genialidade fosse destinada principalmente às guerras, às conquistas, à morte de muitos homens.

Denis também lembra que talentos excepcionais e precoces, os prodígios, não se explicam pela hereditariedade, nem a genialidade usada para o bem, nem a usada para o mal; há prodígios cuja genialidade artística, literária, científica não são encontradas em seus ascendentes, o mesmo acontecendo aos prodígios criminosos que vêm de famílias virtuosas. Um prodígio da música, por exemplo, quase sempre vem de uma família cujos membros não sabem tocar uma nota sequer. Da mesma forma, a maioria dos ladrões, dos assassinos, dos párias, em geral vem de boas famílias, cujos membros são honestos, trabalhadores, pessoas de bem. Os descendentes dos gênios quase sempre não têm (não herdam) o talento de seus ascendentes. O que alguém herda dos membros de sua árvore genealógica são características biológicas, físicas, psíquicas, mas a genialidade raríssimas vezes é uma herança. Assim sendo, o prodígio só se explica com precisão pelas “anterioridades do ser”, sendo, portanto, algo individual.
“Só a lei dos renascimentos poderá fazer-nos compreender como certos espíritos, reencarnando, mostram, desde seus primeiros anos, aquelas facilidades de trabalho e de assimilação que caracterizam as crianças prodígios.”

Essas características vencem o desafio do nascimento em condições econômicas, sociais, geográficas adversas, tudo aquilo que seria impedimento à realização das maravilhas e dos “milagres” pelo prodígio, que além do talento vencem os obstáculos também pelo esforço, pelo trabalho árduo, pela perseverança. Jean Jacques Rousseau, por exemplo, filho de um relojoeiro, apaixonou-se pela Filosofia ainda menino na loja de seu pai. A pequena bailarina de 14 anos já voava como uma pombinha na lavanderia em que sua mãe trabalhava e com muito esforço, dedicação, estudo e trabalho aliados ao seu talento trazido de outras vidas venceu todos os obstáculos que sua condição social e econômica lhe impunham e se tornou primeira bailarina na tenra idade. Foi por isso que ela, em forma de escultura, chocou a sociedade da época em que foi exposta: como uma menina tão pobre (miséria representada pela sua saia) conseguiu uma vitória tão significativa tornando-se uma bailarina com ar, pose, classe e brilhantismo de uma primeira bailarina veterana do Ópera de Paris!

O presente artigo não tem como objetivo esgotar o assunto. Ao contrário, pretende apenas motivar a pesquisa sobre ele e sobre os prodígios não só famosos na História da humanidade, mas também os que estão a nossa volta: nossos filhos, alunos, crianças com talentos precoces tantas vezes consideradas anormais, doentes e outros absurdos provenientes da ignorância. Ao contrário, que possamos sempre motivar o prodígio, justamente para tornar nosso mundo melhor, mais bonito e, assim, mais feliz.

Marie van Goethem, ao passar pela primeira vez diante do Ópera de Paris ouviu seu “espírito bailarino” de muitas encarnações que ela ali se apresentaria em breve. Seu pai acreditou e foi às lágrimas na noite em que isso se tornou realidade. Que mais gênios do bem habitem nosso mundo. É do que mais precisamos na atualidade.

Rosa Maria Mijas Beloto

(*) ELSCHNER, Geraldine & DESVAUX, Olivier. La Petite Danseuse. Paris: Canope Editions, 2019.
(**) DENIS, Léon. O problema do Ser, do Destino e da Dor. 20ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1998.